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Sexta feira rumei bem cedo ao hospital. Tínhamos que fintar o trânsito e a ansiedade do exame.
Chegámos cedo, sem filas de tráfego, apenas com os nervos que crescem pelo caminho. Uma mãe tenta sempre disfarçar aos filhos esta ansiedade que nos corrói. A cafetaria do hospital é sempre uma boa aliada para me dar algum açúcar e aqueles ares de rotina de quem pede um café em qualquer lado.
Os sonhos sorriram-me do outro lado da vitrina. Não deixa de ser irónico que, nos dois últimos anos, tenha sempre inaugurado a época natalícia dos sonhos no hospital. E posso mesmo garantir que é mais certo saber que o Natal está próximo quando os sonhos aparecem à venda na cafetaria do hospital. O restante comércio antecipa-se demasiado, mesmo quando ainda nem faz frio.
O Manel devorou comigo o sonho e entrámos para o exame, sacudindo os restos de açúcar dos cantos da boca, com cuidado para não afugentar de nós o sonho e a esperança.
As ondas do gráfico do electroencefalograma dançaram perante os meus olhos. Ainda não sou capaz de ler essas ondas. Mesmo assim, os meus olhos colam-se no ecrã como quem quer tentar adivinhar algum sinal, seja bom ou mau.
Pela primeira vez, foram-me preliminarmente confirmadas perspectivas de uma epilepsia mais controlada. Mesmo assim, vou aguardar pelo relatório escrito para então rasgar melhor o meu sorriso e alívio.
Segue-se um abraço apertado ao Manel que fica na escola, com a cabeça marcada do gel do exame, neste caso, e pela primeira vez, uma marca positiva do EEG. Das outras vezes, tentava limpar logo e a todo o custo as marcas dos exames. Desta vez, nem me importei, trazíamos connosco restos do gel que não apagaram o sabor dos sonhos de açúcar.
O fim de semana mal começava e nem de propósito teria que enfrentar o Congresso de Esclerose Tuberosa. Neste evento anual procuro sempre saber mais notícias dos medicamentos, novas esperanças... mas simultaneamente é o momento de sofrer por antecipação, conhecer ao vivo casos graves de meninos bem mais velhos que o Manel. Muitos não falam, nem andam e parecem alheios ao mundo. Mas uma Mãe de cabelos brancos garantiu perante toda a plateia que o seu filho (apenas capaz de sorrir) lhe continua a trazer diariamente a força de viver e alegria. Haja o que houver no futuro, o mais importante é o sorriso do Manel, pensei, chorando. Custa muito chorar em público. Custa ainda mais quando tenho que fazer uma apresentação sobre o processo judicial de interdição e inabilitação de incapazes por anomalia psíquica.
Por feliz coincidência, no último slide tinha colocado esta foto do Manel, sorrindo.... Não sei se o Manel um dia chegará a estudar na escola, se será perante a lei um incapaz interdito... mas eu serei sempre uma Mãe babada pelo seu sorriso. O meu sonho é este... ter sempre este sorriso.
Carta 2014, ditada pelo Francisco:
Querido Pai Natal e Querido Menino Jesus
Obrigado por me darem uma vida tão boa. Posso saltar e brincar.
Obrigado pelas bochechinhas do Manel serem tão fofas. Vocês são muito meus amigos.
Este ano portei-me lindamente. Desculpem por usar a chucha.
Pai Natal, porque és tímido e só sais à noite? Porque estás sempre na tua terra? Como é que as renas conseguem voar? Têm “cordeles” especiais? Eu acho que é isso.
Jesus eu estou triste porque tu já foste para o céu.
Deixem-me uma carta a dizer tudo o que vocês sabem. Vou deixar alguns chocolates para vocês e para as pessoas que também estão no céu.
Podem-me dar um bocado de saúde a mim à Mamã e ao meu Papá, ao meu mano e à minha Avó e a toda a gente que está na terra? Podem trazer uma televisão para mim e para o meu Pai muito fixe que é para o meu Pai dizer o canal que quer e aparece!
Para a minha Mamã eu gostava também de coisas de cozinha para eu cozinhar com ela.
Para mim e para o Manel podem trazer uma piscina de algodão doce. Depois se alguém comer cresce mais um bocado.
Outro dia acabamos esta carta para pedir os brinquedos.
Muitos beijinhos para o Jesus e para o Pai Natal, obrigado.
Kiko
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